Os líderes detestam reconhecer que têm problemas

Movido pelo nosso valor “Aprender e Ensinar”, desde 2010 o Prof. Falconi compartilha mensalmente suas experiências e conhecimentos sobre gestão com os leitores da revista Exame. Por meio de respostas objetivas, ele estabelece um diálogo e esclarece dúvidas sobre método, empreendedorismo, carreira e liderança, entre outros temas ligados ao universo empresarial.

Confira abaixo a coluna de abril/2017. Boa leitura!

1) Como tornar as grandes empresas mais ágeis na resolução de problemas? Anônimo

Essa pergunta é extremamente atual. O primeiro ponto que quero considerar é a questão do medo do desconhecido. Durante boa parte do século passado, o mundo evoluiu de forma muito lenta. De repente, na década de 90, mais ou menos, houve uma inflexão. Agora o mundo voa. As coisas se modificam a cada instante. Tudo é muito novo e desconhecido. Naquele mundo velho, que manteve um padrão linear durante séculos, a educação foi toda montada para ensinar aos jovens o conhecimento passado, que servia para resolver 95% dos problemas.

Hoje, o conhecimento acumulado de experiências anteriores, claro, continua importante. No entanto,  deve responder por, no máximo, 30% do arsenal necessário para resolver os problemas estratégicos que se impõem. Não fomos preparados para lidar com o desconhecido. E hoje, mais do que nunca, é importante aprender a resolver problemas, de preferência desde o curso fundamental, para acostumar a criança a enfrentar o desconhecido. Nos Estados Unidos, já existe um esforço nesse sentido em algumas escolas, inclusive no ensino superior. No Brasil, há poucos exemplos nessa direção, como o caso do Insper, escola de negócios de São Paulo.

Uma demonstração clara de que ainda temos medo do desconhecido é a patente dificuldade que os líderes têm de apontar os pontos fracos da operação que comandam. Um dos grandes problemas para avançar na gestão das empresas é justamente o fato de que os líderes detestam reconhecer que têm problemas. Como não percebem o valor do método de solução de problemas, que chamo de PDCA (sigla em inglês que significa “planeje, faça, cheque e reavalie”), estão sempre procurando alguém que já tenha a solução pronta para tudo o que há de errado.

Não percebem a força do método, quando praticado por todas as pessoas da empresa, para encontrar uma saída para os obstáculos que surgem e melhorar continuamente a operação. Para mudar essa cultura, precisamos valorizar quem declara guerra ao que está errado e, ao evidenciar isso, busca melhorar de maneira constante. Quando a pessoa realmente adquire esse hábito e incorpora esse comportamento, tudo muda. Até mesmo sua atitude na vida.

Finalmente, aconselho-o a arrumar boas metas e desafios para todos e dar cursos de solução de problemas à sua turma. Faça um levantamento dos problemas de sua área. Liste-os por ordem de prioridade e passe a resolvê-los. Envolva toda a equipe utilizando o método cartesiano de solução de problemas. Todos os meus livros fazem referência ao método e foram escritos com base nessa teoria proposta por Renée Descartes por volta de 1600.

Com disciplina, seguindo essa rotina por três ou quatro anos, você mudará a cultura da empresa. Em vez de sentir medo do desconhecido, as pessoas desenvolverão uma cultura de enfrentamento dos fatos — no qual elas listam os problemas sem receio, porque sabem que poderão resolvê-los. A base para tudo isso, do ponto de vista empresarial, é o que chamo de gerenciamento pelas diretrizes.

Mudar a cultura é o primeiro passo. O segundo é resolver os problemas de forma mais rápida. Você vai perceber que, no começo, será preciso fazer com que as pessoas  dominem o método. No entanto, é possível fazer com que a fase de análise dos fatos e dos dados no planejamento seja bastante acelerada com a utilização da tecnologia da informação. É uma jornada.

2) Trabalho numa empresa de serviços que passa por uma redução de custos pesada. O senhor teria algum método para manter minha equipe motivada sem perder os níveis de operação elevados mesmo diante dessa realidade? Anônimo

O que mais motiva o ser humano é estar inserido num grupo do qual se sinta parte, no qual seu papel seja reconhecido por si mesmo e pelos pares, com metas específicas e com um propósito bem claro e sempre em mente. Não sei como está sendo conduzido o programa de redução de custos de sua empresa. Ele pode ser conduzido de forma a desmotivar as pessoas. Ou pode ser um tremendo veículo de motivação. Como isso é possível?

Respondo com uma palavra: participação. A mágica da coisa é entregar de fato uma meta a cada um e ensinar a equipe a atingi-la. Todos têm metas de redução de custos em sua empresa? Como cada um monta seu plano de ação? Sozinho? Ou com seu grupo discutindo ao longo de 4 a 6 horas todos os aspectos do problema e dando chance para que cada um se expresse?

O planejamento para atingir metas é um processo coletivo. Quando as pessoas saem da sala, com o plano pronto, ele pertence a todos. E sua execução é muito mais fácil. Se você conseguir envolver todas as pessoas no combate aos custos, num esforço em que todos saibam que isso é vital para a sobrevivência da organização e, portanto, dos empregos, a motivação vai florescer.

Fonte: Exame.com – Coluna Gestão à Vista– 05/04/2017



Autor:  Vicente Falconi - Falconi Consultores de Resultados

Imagem: Reprodução Exame.com